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domingo, 7 de junho de 2009

Pirataria: vinil e CD do primeiro disco de Rita com Tutti Frutti

Capa e vinil da versão pirata do primeiro disco de Rita com o Tutti Frutti, que ficou nos arquivos da gravadora na época. Abaixo, uma reportagem que escrevi na época que ele foi 'lançado'. Detalhe para o selo do disco, que copia o estilo da gravadora Philips na época.

Disco raro mostra transição entre carreira solo de Rita Lee e os tempos de Mutantes da roqueira

Publicada em 14/04/2008 às 08h14m

Guilherme Samora

SÃO PAULO - "Deixe de uma vez o seu cabelo crescer/ Largue essa mania, dê o braço a torcer/ Abra essa cabeça e comece a entender/ Que Deus está mais contente porque finalmente já tem muita gente sabendo do rock and roll/ Comendo rock and roll/ Bebendo rock and roll". É assim que começa "E você ainda duvida" - clique aqui para ouvir - de Rita Lee em 1973, no que seria o primeiro disco da roqueira ao sair do seu antigo grupo, Os Mutantes. A gravadora, na época a Philips, achou o álbum de 10 músicas muito underground e decidiu não lançá-lo. Mas fãs brasileiros e europeus da rainha do rock brazuca decidiram se unir e fizeram, lá fora, uma versão não oficial do disco, em versão remasterizada.
A versão pirata - prensada de fábrica, não aquelas gravadas em CD-R do estilo camelô - vem numerada e apenas 500 cópias foram feitas. Num site sobre o "lançamento" do disco, os fãs garantem que só decidiram colocá-lo na praça pois a gravadora - quem detém os direitos da obra hoje é a Universal - prometeu lançar a jóia em 2001 e até agora nada. - Nossa intenção não é vender milhares de cópias, por isso fizemos apenas 500 - dizem no site.
E esse disco, que continua nos arquivos da gravadora, é uma página importante da história de Rita, que comemora 40 anos de carreira com sua turnê "Pic-nic", que volta a São Paulo nos dias 25 e 26 de abril. As músicas - que misturam o humor da ruiva, pitadas de rock progressivo, guitarras e violões acústicos e letras rebeldes - mostram a ligação da ex-loirinha dos Mutantes, que tinha desistido de fazer uma dupla só com violões acústicos com a amiga Lúcia Turnbull, agora ao lado do Tutti Frutti, a banda que ficou com ela até 1977.
Batizado de "Cilibrinas do Éden", essa edição dos fãs é erroneamente creditada apenas à dupla de mesmo nome formada por Rita e Lúcia. Na verdade - apesar de ter algumas composições da fase acústica que durou apenas alguns meses - este é um disco de Rita com o grupo Tutti-Frutti. Estão lá o guitarrista Luiz Carlini, o bateirista Emilson e o baixista Lee Marcucci, além de Lúcia. E Rita, além de cantar, assumiu os teclados e alguns violões.
As histórias ao redor do disco, aliás, já viraram lenda: segundo conta a roqueira, o então presidente da Philips, André Midani, foi o responsável pelo veto. No final de 73 e com raiva do que havia acontecido, ela se juntou ao amigo Tim Maia e os dois quebraram a sala de Midani em sinal de protesto.
Depois, por força de contrato, Rita e os colegas do Tutti Frutti voltaram para o estúdio e, no lugar do álbum vetado, saiu o clássico "Atrás do porto tem uma cidade", em 1974. Do disco rejeitado, apenas "Mamãe natureza" acabou sendo reaproveitada. Mesmo assim, com uma produção totalmente diferente e vocais regravados.
Em tempo: a versão bootleg do disco vem com duas faixas bônus, uma demo de 1972 de "Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida" (do segundo disco solo de Rita ainda na época dos Mutantes, que contou com a participação de todo o grupo no estúdio) e "Mande um abraço para a velha" (1972). A última é uma música não tão inspirada dos Mutantes e saiu apenas em um compacto, pouco antes de Rita ser expulsa do grupo para se tornar a rainha do rock brasileiro. Mas essa já é outra história.
Versão em CD. Os dois formatos foram limitados em 500 cópias cada

O disco faixa a faixa

Guilherme Samora

1 Cilibrinas do Éden - Uma viagem sonora com sussurros, teremim, risos, suspiros, sinetas e frases como "Eu não vi, eu não creio". Improvisos e influências do LSD marcam a música, uma das que foram gravadas num palco de teatro, com uma pequena platéia de amigos e técnicos de som. Dá até para ouvir alguns aplausos no final.

2 "Festival divino" - Cheia de cordas e bastante melancólica, conta a história de um paraíso em que bichos falam, o deus é cabeludo e vive tocando sua viola. O inferno, por sua vez, tem pessoas de ternos e de cabelos curtos. A abertura da canção, aliás, é um dos registros mais puros e belos da voz de Rita.

3 "Bad trip" (Ainda bem) - Uma das melhores do disco. Foi dela que surgiu "Shangrilá" (do mesmo álbum de "Lança perfume", de 1980). O começo, aliás, é praticamente o mesmo: "De repente eu me vejo/ Amarelada, bodeada, sem ninguém/ Nessas horas aparece a preguiça/ A vontade de sumir... de vez". A partir daí, entretanto, Rita revela versos bem mais pesados ("Que medo/ Que grilo/ Que bode/ Bad trip"). No final, para enganar a censura, ela repete a frase "Tive vontade, sim, de dar um tiro na cabeça". Mas, para fechar a canção, canta apenas "Tive vontade, sim, de dar...".

4 "Vamos voltar ao princípio porque lá é o fim" - Outra no esquema viagem total. Rita canta em dueto com Lúcia Turnbull: "Quero ouvir as trombetas chamando por mim".

5 "Paixão da minha existência atribulada" - "Sinto você/ Nesse meu violão/ Toco sua música/ Com minha mão/ Me apaixonei por você e por mim!", cantam Rita e Lúcia nesse rock acústico.
Rita com o grupo Tutti-Frutti. Foto: arquivo

6 "Gente fina é outra coisa"- Rita é uma das compositoras mais censuradas na época da ditadura militar. Essa música é um exemplo. A roqueira canta sobre os valores impostos pela sociedade da época: "Não vá se misturar/ Com esses meninos cabeludos que só pensam em tocar/ E você escuta o papai dizendo/ Que gente fina é outra coisa... Hoje mesmo te vi/ pensei que fosse seu pai/ Não, não, não, mas que decepção/ Eu fiquei triste de ver/ A sua vida começando pelo lado errado". E os censores não perdoaram: "Na letra em exame, uma jovem insurge-se contra o pátrio-poder, ao tentar persuadir um amigo a desacreditar de seu pai para juntar-se a um grupo juvenil de comportamento duvidoso", assinala o censor José do Carmo Andrade num documento de 30 de agosto de 1973. Ele afirma ainda que "a mensagem é negativa e induz aos maus costumes". Em outra tentativa de liberação, datada de novembro de 73, a letra de Rita é barrada novamente: "Apresenta conotação anárquica... sua liberação poderia acarretar uma desagregação social e familiar, de consequências negativas". Em 1977, Rita reaproveitou a música e fez uma letra nova para ela, que foi gravada com o título de "Locomotivas" para a novela de mesmo nome da TV Globo.

7 "Nessas alturas dos acontecimentos" - Rock pesado de Rita em parceria com o Tutti Frutti. Ela canta: "Periga até pintar um disco/ Tudo pode acontecer/ Você vai ver/ E quem fica parado é poste/ Eu quero é me locomover". Essa música, aliás, apareceu numa coletânea obscura que a Polygram colocou no mercado em 1981, só com músicas dos três primeiros discos dela, chamada "Os grandes sucessos de Ritta Lee" (assim, com dois Ts mesmo, como ela chegou a assinar no começo da carreira).

8 "E você ainda duvida" - Outra composição só de Rita, um hino ao rock, nos mesmos moldes de outros que a ruiva viria a fazer mais tarde (Como "Esse tal de roquenrol", de 1975, e "Orra meu", de 1980). O final tem versos de "Tutti frutti", de Little Richard. Essa faixa chegou a ser lançada oficialmente num disco do primeiro festival Hollywood Rock, de 1975. O álbum, que contava com músicas dos artistas que participaram do festival (como Rita, Raul Seixas e Erasmo Carlos) era para ser ao vivo. Mas acabou se tornando uma enganação: as gravações não tiveram qualidade e a gravadora simplesmente pegou músicas de estúdio dos artistas que fizeram o show e colocou aplausos no final.

9 "Minha fama de mau" - Regravação acelerada do sucesso de Erasmo Carlos, a quem Rita chama de pai do rock brasileiro. Termina com uma citação de "A hard day's night", dos Beatles.

10 "Mamãe natureza" - Primeira versão do clássico de Rita, com guitarras ainda mais marcadas e vocais mais "sujos".

Pra quem quiser ler na fonte:
Reportagem
Faixa a faixa

Um comentário:

  1. Reportagem boa da porra!É ótimo quando uma pessoa que realmente entende do assunto escreve.Adorei.Queria tanto ter esse disco.

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