1987: Revista Bizz - "Rita Lee - Panis Et Circensis"
Reportagem publicada apenas com frases da Rita, falando de carreira, disco e de seu momento na época
Autocrítica
Não sei se eu criticaria a Rita Lee. Vamos ver se eu consigo. Vou lazer uma avaliação de épocas. Como eu vivi num momento dentro do tropicalismo ativo no Brasil - acho que aquilo era uma atitude rock... Veja que coisa mais pré-histórica: não se podia tocar guitarra na MPB! E os Mutantes foram lá e quebraram a coisa. Os tempos mudaram. A Rita Lee... ela não... ela já... Vamos fazer o contrário. Não vamos lazer crítica, vamos entender o lance dela: Rita. Quando ninguém ia ver show de rock, a gente chegava e levava caminhões de mudança pro Brasil inteiro. Mas a música para mim, hoje em dia, não é a minha vida. É apenas uma parcela dela. E Rita Lee é apenas um personagem nessa coisa de música. Eu não precisaria fazer isso (disco, contrato, estrada). Tirei o time de campo, em 83, porque eu estava drogada, estressada. Tirei o time de campo porque eu acho que esse personagem Rita Lee sempre propõe alegria, festa. Houve tempos em que fazer isso era uma revolução. Hoje em dia não é mais.
Rádio Amador
A experiência com Rádio Amador foi uma das coisas mais gostosas e prazerosas que eu já fiz. O prazer de mexer com gente novíssima, com gente que já foi... E a sorte de ter um texto do Bivar toda semana. Mas tivemos que parar para poder divulgar um trabalho. De repente eu não podia fazer o programa porque as rádios deixaram de tocar as minhas músicas. Tenho vontade de fazer rádio de novo. Mexíamos muito com demo tapes. E tem muita gente que ainda não gravou. Estou só esperando, porque se grava muita porcaria nessa coisa de rock. Acho que deveria ter programa de rádio que desse oportunidade para gente nova. Eu entendo a pobreza e os 'debaixo do pano' que rolam. Mas não custava nada arrumar um patrocínio para que em toda rádio tivesse um espaço de uma hora ou meia, que fosse - só para pegar demo tapes.
"AIDS Quem Faz Amor"
O amor é um passo da eternidade. De um lado você tem que ficar muito atento ao fazer amor. É uma coisa que deveria ser levada pelo coração. Mas agora você tem que ter um pouco da razão toda hora que você for fazer amor com um parceiro diferente. É uma situação triste, mas é a cara de 1987, a cara do apocalipse, a cara de Nostradamus, a cara da Peste Negra. Ainda não vejo muito o lado bom da AIDS - deve ter. Sempre tem os dois lados. Mas... Não sei se é minha implicância com os americanos de tanto que eles saquearam o mundo e saqueiam ainda - principalmente o Brasil - mas aquela teoria de que a AIDS foi fabricada em laboratório eu não dispenso. Para mim faz muito mais sentido do que o coitadinho do macaco verde lá da África... E a discriminação que surgiu da coisa gay, quando eu acho que esse lado gay é um benefício para a humanidade, no sentido de controle populacional. Tem que existir a coisa gay, existe entre os animais... Tem também aquela coisa de moral, aquela moral pobre das pessoas que aproveitam uma situação para atacar qualquer um. É terrível! Estamos vivendo em plena ficção científica...
Mutantes, Cilibrinas, Tutti Frutti
Na época era muito duro, mesmo dentro dos Mutantes. Já tinha uma coisa preestabelecida de que eu tinha de tocar pandeiro - só um pandeirinho e uma sainha curta para mostrar as pernas. Aí eu falava: "Oh! Diretor! Eu também tenho talento! Deixa eu provar que eu tenho talento!" Eu gosto de humor, mas não podia. Caetano e Gil tinham sido exilados e os Mutantes ficaram órfãos. Então eles mergulharam dentro da música progressiva e fui convidada a me retirar do grupo achando que: "Oba. vou fazer uma banda!" Nunca me passou pela cabeça ser cantora, tipo Gal Costa, ser a pessoa de frente e ter uma orquestra acompanhando. Sempre encarei a música como brincadeira e poder fazer parte de um grupo. Aí passamos para o Tutti Frutti. E houve um certo clima esquisito, porque eles não conseguiam engolir eu como sendo a figura de frente. Mas o público gostava mais quando eu ia para a frente e eu sempre fui uma pessoa que faz o que o público gosta. Por mais que eu tentasse dividir a coisa, tinha sempre um motim. Isso numa epoca em que o rock'n'roll ainda tinha cara de bandido, imagine uma mulher fazendo rock'n'roll, mais bandida ainda! E os próprios meninos (do Tutti Frutti) eram muito radicais nesse ponto. Chegou num ponto, em Entradas e Bandeiras, em que fui parar no hospital por causa de uma anemia e eles simplesmente limaram (na mixagem) uma boa parte do que eu tinha feito - vocais, todas as interferências minhas... E não aconteceu porra nenhuma (com o disco) porque não tinha a Rita Lee fazendo as gracinhas que o público queria. Antes disso, depois dos Mutantes, teve uma dupla (Cilibrinas) com a Lúcia Tumbuíl. A gente queria fazer uma coisa acústica. Infelizmente fomos abrir para os Mutantes e, não teve dúvidas, fomos apedrejadas. No Tutti Frutti teve problemas com a Lúcia e o guitarrista, e ela acabou saindo por causa da pressão dos meninos. Ficou a coitadinha aqui sozinha, que acabou destransando o grupo da maneira mais sórdida possível. Porque o Sérgio Carlini (guitarra) pegou o nome Tutti Frutti, registrou e até logo para vocês! Pô, esse nome é do Bivar, que na época dirigiu o show da gente. Com Roberto foi legal Acho que é tão mal creditado o lance dele. Porque ele não é marido, ele nem é casado! Roberto é responsável pela metade do trabalho - trata-se de uma dupla, que também é um grupo. Isso é tão mal digerido!
Punks
Os mais punks do planeta são os brasileiros. Gosto muito de Ratos de Porão, Olho Seco, Cólera... Acho que a coisa que tem mais força da moçada brasileira é o movimento punk. Hoje não consigo ouvir uma música com mais de um minuto... Gosto daquela coisa suja, porca, imunda. Aquilo sim é verdadeiro, é uma revolução. Não adianta dizer que é copiado. O que não é copiado? A gente não deve sofrer influências, deve ter influências. Acho que o movimento punk do Brasil é a melhor coisa que tem, ainda...
Flerte Fatal, o LP
Para o disco, a gente tirou um monte de música da cartola, como "Pega Rapaz", "Bwana", "Xuxuzinho", coisas que a gente sabe que é o vestido da dupla. E sabíamos que as pessoas iam falar: "Pô! Tão continuando na mesma? Não vão mudar?" Não, não vamos mudar. A gente mantém as coisas que dão certo, porra! O povo está fodido, precisando de festa. Não precisa de mais complicações, não precisa de música! Vamos dar o gostoso para eles, vamos dar a sobremesa logo de cara, já que não tem feijão e o sorvete é fácil. Eu gosto de fazer isso, não tenho pudores em fazer mesmices. Se bem que eu não acho que é mesmice. Chamo isso. de estilo. Então, tiramos da cartola um monte de coisinhas para a gravadora vender seu disquinho também, se quiserem.
Gosto, não gosto
Gosto de muita coisa e não gosto de muita coisa. Odeio Smiths, por exemplo. Acho uma bosta, um horror! Aquela bicha louca (imita Morrrssey) não tem nada para me dizer. Prefiro ouvir Cólera. Gosto muito mais do Djavan do que do Lionel Ritchie. Titãs eu acho um barato. E, também, o Lobão.
Outros projetos
Há muito tempo eu namoro com o cinema. Acho que lá pelo final do ano a gente estará filmando Como a Lua. A história é superlegal. Vai ser gravado no Pantanal, e por trás disso tem um manifesto ecológico de preservação do Pantanal. Os americanos estão interessados na produção da coisa. Então vai ter a versão em inglês. Mas este não é o único que eu tenho em vista. Tem um outro que eu não posso falar, senão gora. Fora cinema, queria continuar com literatura infantil. Já tenho o segundo livrinho do rato e chama-se Dr. AIex e os Reis de Angra. Tipo olhar esse lado da energia nuclear, que é uma vergonha no Brasil. Todos morrendo de fome, um monte de criança na Febem e... nuclear? Então tá! Política... Eu seria melhor prefeito que o Jânio Quadros. Ia pensar em limpar o rio Tietê primeiro em vez de cortar árvore a torto e a direito para fazer estacionamento subterraneo... Tenho vontade de um monte de coisa. Tenho vontade de abrir uma creche super alegre, pegar a meninada com aquele potencial de trombadinha, que é fodido, e botar uma massinha na mão deles e ver o que sai dali. Botar uma guitarrinha. Ao mesmo tempo com os velhos... Os velhos! Menopausa criativa uma ova, meu filho! (Rita se refere a um termo usado por um crítico sobre seu último disco.) O velho é uma enciclopédia. Sabe aqueles velhinhos que são sábios? Então eu acho que tem que ter asilos que não sejam pré-cemitério. Tenho vontade de fazer uma reserva fauna-flora e um hospital para loucos, também. Para doido, drogados, alcoólatras. E ter proteção lá. Polícia não entra, meu filho! A Clínica Tobias? Eu estive lá. Eu, Julinho Barroso, Raul Seixas... E tinha gente da imprensa também. Eu perguntava: "Quem é você?" E eles diziam: "Sou da imprensa".
sábado, 13 de junho de 2009
Rita Lee na revista Bizz na época do Flerte Fatal
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Essa mulher é genial!
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