ARQUIVOS, IMAGENS, TEXTOS E REPORTAGENS SOBRE RITA LEE, A BIG MAMMA DO ROCK

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Entrevista de Rita na revista Quem - 27/04/2010

Clique aqui para ler a entrevista no site da Quem, na globo.com








“Na minha época, suruba era cultura”

Numa rara entrevista cara a cara com um jornalista, a cantora, de 62 anos, falou que um de seus prazeres atuais é lavar louça, admitiu que já transou com mulher, disse que chegou a ir a comícios sob o efeito de ácido e revela que só gostou de sexo depois de sua primeira vez com Roberto de Carvalho, seu marido e parceiro há mais de 30 anos

Por Guilherme Samora

Encarar os grandes olhos azuis e os cabelos vermelhos de Rita Lee tornou-se uma experiência rara para jornalistas. Ela não gosta de dar entrevistas e, quando o faz, prefere o e-mail. Abriu exceção para QUEM. Acompanhada da cadelinha Kika, um de seus inúmeros animais de estimação, ela recebeu a reportagem da revista, na segunda-feira (19), em um de seus endereços em São Paulo, um prédio no bairro do Morumbi, Zona Sul da cidade.
Inicialmente, a conversa seria para falar de sua nova turnê, batizada de Etc...., que estreou no sábado (17), em Belo Horizonte. No entanto, o bate-papo enveredou por muitos outros assuntos. Rita falou, por exemplo, de seus atuais prazeres. Lavar louça é um deles. O outro é brincar com a neta, Izabella, de 4 anos, filha de Beto Lee, o mais velho de seus três filhos – os outros são João e Antônio. Um prazer antigo, o de acompanhar novelas, perdeu espaço para a leitura voraz de livros policiais. Aos 62 anos, Rita praticamente só sai de casa para fazer shows. Ela não vai mais a festas e detesta shoppings. “Estou pão-dura. Nem com roupa gosto de gastar dinheiro”, diz ela, que adotou o jeans e a camiseta como figurino de shows. Ela também não tem celular, não aderiu ao Twitter nem tampouco tem perfil no Facebook.
A mais completa tradução do rock brasileiro e de tudo o que esse gênero musical significou como movimento de contestação, vovó Rita não se considera rebelde. Nem nunca se considerou. Mas, na conversa com QUEM, relembra episódios de sua vida que contradizem a autodefinição. Ela fala com franqueza que transou com mulher, participou de orgias sexuais, assistiu a comícios políticos sob o efeito de ácido e, singelamente, afirma que só sentiu prazer no sexo com o marido e parceiro musical, Roberto de Carvalho, com quem está casada há mais de três décadas. No final da entrevista, que durou mais de duas horas, ainda deu para falar da turnê, que estreia em São Paulo em 14 de maio, no HSBC Brasil, e, no Rio de Janeiro, em 16 de julho.

QUEM: Essa fama de rebelde que você carrega desde sempre...
RITA LEE: Não me acho rebelde! Não concordo quando me chamam de irreverente. Nada menos irreverente que a palavra irreverente. Não me acho esquisita. Mas entendo que muita gente me ache esquisita (risos). Eu me acho absolutamente calminha.

QUEM: Mas você se deu bem no mundo machista do rock dos anos 60, se vestiu de noiva grávida no festival da Record (1969) e até de Nossa Senhora Aparecida num show de 1995...
RL: Mas isso é tudo coisa de palco. É teatro! É gostoso ser outra pessoa. É espontâneo. Em época política, quando as pessoas assistiam a comício, eu também ia. Mas ia viajando de ácido. Era uma loucura! Na época da ditadura, eu tinha mais do que necessidade de encher a cara para não ter minhas asas cortadas.

QUEM: Mas sua prisão, em 1976, teve muito a ver com sua postura, não?
RL: Sim! Foi para servir de exemplo mesmo, nessa coisa de drogas. Fui bode expiatório total... chegaram em casa e me prenderam injustamente.

QUEM: Então, estava sem drogas quando a prenderam?
RL: Eu estava completamente careta. Imagina, estava grávida (de seu primeiro filho, Beto)! Não tinha nada em casa. Eles que plantaram. Eu fui muito imbecil! Na hora em que chegaram em casa, era de madrugada. Uns sete caras. Achei que eram roqueiros, de moto, jaqueta, tudo boy. Entraram, não mostraram nenhum documento, mandado, nada. Disseram que era a polícia e eu abri a casa. Não tinha motivo para me esconder: a hippie estava grávida, pura, sem nada. Eles então apareceram com um saco. Me colocaram no camburão e fizeram uma procissão pelas delegacias, me levando como troféu... tadinha!

QUEM: Era um saco com maconha?
RL: Sim. Quando cheguei no juiz, eles botaram um monte em cima da mesa. E disseram que era tudo meu. Foi louco, fiquei presa no Deic, que era a prisão política. Fiquei uma semana lá, junto com travecas, prostitutas. E delas não tenho o que falar. Tudo gente boa, mesmo! Só que tinha um maldito delegadinho que entrava na cela e mijava no chão pra gente não poder sentar. Ainda fiquei mais um mês presa e depois um ano de prisão domiciliar. Para fazer show, eu tinha que pedir para o juiz e mostrar exame de sangue. Tive o Beto em prisão domiciliar. Fui ao gineco (logista) e ele não escutou o coraçãozinho do Beto bater. Ele estava com o cordão umbilical enrolado e fui direto para o hospital. Foi a maior sorte ele ter nascido.

QUEM: Esses temas do universo feminino, como gravidez, menstruação, sempre estiveram em suas músicas.
RL: Ah, são fases pelas quais passei e gosto de escrever sobre isso. Mas eu tenho um lado masculino, sem dúvida. Sempre brinquei com meninos, tinha carrinho de rolimã. Nunca brinquei com boneca. (Na infância) Eu tinha o cabelo lindo! Até a cintura. Era a única coisa que eu tinha de bonito – e minha mãe cortou! Em formato de cuia! Tipo índio. Minha irmã (Virgínia) me chamava de “menino baiano”. Hoje, acho muito chique ser baiano! Mas na época fiquei arrrasada com o apelido. E quando fiquei jovem, sem peitinho, sem pelinho, sem bundinha, o apelido continuou...

QUEM: O Erasmo Carlos disse, na biografia dele, que todo mundo queria a Rita Lee, que você era uma das mais lindas entre as cantoras que se apresentavam nos festivais.
RL: Eu li. Imagina, olha que louco! Eu nunca fui bonita. Não mesmo! A adolescência foi um problema só! Muito complexo. As outras meninas tinham pentelho, eu não tinha. As outras tinham peito, eu não tinha. A bunda, uma tábua! Podia até ser interessante, mas linda eu não era.

QUEM: Você teve esse lado meio masculino-feminino como uma de suas marcas. Já teve curiosidade com mulheres?
RL: Lógico!

QUEM: E experimentou?
RL: Claro, nessa vida temos que experimentar tudo!

QUEM: O que achou do sexo com mulher?
RL: Não rolou. Não foi nada de tão emocionante que fizesse mudar de gosto. Foi legal. Mas, na minha época, suruba era cultura. Tinha que experimentar. Se não experimentar quiabo, como é que vai saber se vai gostar? Mas, sei lá, não gostava de sexo. Nem com rapazes nem com meninas. Na época, eu achava que era de outro planeta.

QUEM: Perdeu a virgindade tarde?
RL: Foi. Com uns 19... Era uma coisa fingida, sabe? Para dizer que eu era como todo mundo, que tinha namoradinho. Mas eu estava muito na batalha de sair da casa do meu pai, da música... um monte de coisa que era muito mais importante. Nunca fui de dar.

QUEM: O mais curioso é que, no final dos anos 70, você convida o Brasil para sua cama. Faz Mania de Você, em que fala de fazer amor por telepatia. O que mudou?
RL: Roberto! Sem dúvida! Ele é muito bonito. Era uma coisa!

QUEM: Então, você descobriu o prazer com ele?
RL: Foi! E só com ele! Essa coisa do tesão e de trepar feito coelhos, só tive com ele. Aqueles namoradinhos e flertezinhos do passado não me batiam a periquita. Mas depois, com Roberto... nossa! Ele foi uma aparição (risos).

QUEM: E ainda estão casados...
RL: Está vendo? Depois dizem que eu sou louca e rebelde (risos)...

QUEM: Vocês brigam?
RL: Às vezes, a gente tem um enfrentamento quando faz uma música. A tendência dele é cuidar demais. É fazer uma coisa chique. E eu falo: “Faz menos chique, vamos errar um pouco” (risos). Não tem briga de não se falar, mas tem bate-boca. Mas isso eu acho bom, senão ia ser chato.

QUEM: Você não vai mais a festas, não gosta de sair de casa...
RL: Festas, barulho, pessoas conversando, isso não me interessa! Depois de show, só leio, leio, leio. Estou lendo o tempo todo. Adoro literatura policial. Gosto de ficar bundando em casa, vendo meus bichinhos. Não sei cozinhar, mas sou boa faxineira. Tenho um certo prazer em lavar louça. Tem uma lógica: não é só jogar lá, abrir a água... tem que economizar água, economizar sabão, tem a ordem de lavar as coisas. E ser avó, que é uma delícia. Agora, Ziza (a neta, Izabella) está mais metida de saber falar coisas sobre computador. Ela está desenhando que é uma coisa! E está falando umas barbaridades com a Gungum (personagem de Rita, que tem 3 anos e meio e é uma criança-problema). Coisas que para a avó Rita e para o pai ela não conta (risos)!

QUEM: Nesse dia a dia em casa, há espaço para os cuidados com o corpo, a pele?
RL: Nada! Nem creme eu passo. Filtro solar no rosto até vai. Maquiagem, só no show.

QUEM: Você sempre diz ter 65 anos e, na realidade, tem 62. Qual o motivo disso?
RL: Aí que está o negócio. Você fala que tem mais do que sua idade real e as pessoas acham que você está bem (risos).

QUEM: E suas tatuagens pelo corpo?
RL: Tenho a estrela de sete pontas nas mãos, que fiz quando sonhei com minha mãe pedindo para que eu não colocasse mais coisa ruim na boca, se é que me entende. No pulso, estão escritos (em círculo) os nomes do Roberto, Beto, Juca e Tui (apelidos dos três filhos). Quando sinto que um deles está precisando de apoio, eu passo um óleo perfumado em cima do nome e fico me concentrando nele. Aqui tem o que (pergunta, enquanto abaixa a gola da camiseta, no braço esquerdo)? Ah, esses desenhos representam os degraus da iluminação e, aqui (no braço direito), tenho figuras geométricas, pois sempre adorei geometria. Aqui (entre os seios), eu tenho três estrelinhas, três pentágonos, que representam meus três meninos. E vou fazer uma lagartixa na perna, que eu mesma desenhei. O que odeio aranha e barata adoro lagartixa!

QUEM: As duas plásticas que você fez, foram para tirar marcas de acidentes...
RL: Sim, uma foi depois de um acidente de carro, nos anos 80, em Natal. Depois, foi naquela queda, quando esfacelei o maxilar (Rita teve um traumatismo ao cair em seu sítio, nos anos 90, e colocou um pino de titânio na articulação do maxilar).

QUEM: Teria feito as plásticas se não fossem os acidentes?
RL: Não tenho nada contra. Mas eu tinha que estar muito louca para fazer plástica! Mas eu entendo o motivo de as rugas estarem aqui. Você sabe: eu aprontei demais! E não posso reclamar: até que estou bem para tudo o que fiz (risos)!